Entrevista: tradutora Natasha Wimmer

07/10/2011

Roberto Bolaño é a maior sensação literária de Nova York. Nos últimos anos, ele se transformou no talismã de escritores, críticos e leitores. Seus livros aparecem em posição destacada nas livrarias e estão disponíveis nas bibliotecas públicas. O culto ao seu nome se tornou signo de inteligência.

A responsável principal pela consolidação dessa tendência é a tradutora Natasha Wimmer, de 38 anos. A moda se espalhou quando Natasha verteu para o inglês “Os Detetives Selvagens” (1998) e “2666” (2004), romances com os quais Bolaño ganhou fama internacional.

Em resenha sobre “Os Detetives Selvagens” para o “New York Times”, James Wood, badalado crítico americano, confessou que sua “loucura” pelo escritor chileno foi desencadeada pela “talentosa tradução” feita por Natasha em 2006. “Repetidas vezes, ela encontra soluções na língua inglesa para um romance de informalidade linguística diabólica”, escreveu Wood. Embora goste de dividir os méritos com Chris Andrews, tradutor de romances mais curtos, como “Noturno do Chile” e “Estrela Distante”, ela fez o trabalho que despertou a atenção da imprensa.

“Como observo de dentro o fenômeno, tenho dificuldade de entender por que Bolaño se tornou canônico”, diz Natasha. “Quando se referem a ele como um marco cultural, ainda sinto calafrios.” O espanto da tradutora com a celebridade do ficcionista vem da recordação de um indivíduo pobre e doente que rejeitou com fúria o establishment literário.

Natasha traduziu a obra de outros escritores latino-americanos, como Mario Vargas Llosa (peruano), Laura Restrepo (colombiana) e Juan Pedro Gutiérrez (cubano). Mas sua carreira deu uma guinada com Bolaño. “Cheguei ao meu auge com seus romances”, diz. “Dificilmente vou encontrar nos próximos anos uma obra tão desafiadora.”

As traduções mais recentes de Natasha foram “O Terceiro Reich” (disponível em português pela Companhia das Letras) e “Between Parentheses” (sem tradução no Brasil). Organizado por Ignacio Echevarría, “Between Parentheses” foi publicado originalmente em 2004 pela Anagrama. “Entre Paréntesis”, título extraído da coluna assinada por Bolaño no jornal chileno “Las Últimas Noticias”, reúne ensaios, artigos e discursos do período 1998-2003.

Em 1998, Bolaño publicou “Os Detetives Selvagens”, pelo qual recebeu os prêmios Herralde de Novela e Rómulo Gallegos. Deixou de ser um escritor pouco conhecido que vivia isolado em Blanes, cidade litorânea da Espanha. O telefone passou a tocar.

“Between Parentheses” (New Directions, 390 págs., U$ 24,95) oferece em seu conteúdo autobiográfico uma cartografia emocional e intelectual de Bolaño, segundo Echevarría. Escritos sob o diagnóstico de uma doença hepática e em paralelo com o romance inacabado “2666”, os textos preservam o caráter urgente e visceral comum às ficções do romancista chileno. “Tudo que escrevi é uma carta de amor ou de despedida para minha geração.”

O livro se inicia com um autorretrato cheio de bom humor, um dos traços marcantes de seu estilo. “Nasci em 1953, ano em que Stálin e Dylan Thomas morreram. Embora tenha vivido na Europa por mais de 20 anos, minha única nacionalidade é chilena, o que não me impede de ser profundamente espanhol e latino-americano.”

Depois de contar que viveu no Chile, México e Espanha, ele confessa ter trabalhado “em todos os empregos do mundo, exceto três ou quatro que um pouco de dignidade proíbe aceitar”, e afirma ser mais feliz lendo do que escrevendo. Ele adora fazer listas dos escritores amados e odiados. Nicanor Parra e Jorge Luis Borges pertencem aos primeiros. Gabriel García Márquez, Isabel Allende e Paulo Coelho estão entre os desprezados.

“O que fascina em alguns textos é o afeto do escritor por Blanes, onde viveu os seus últimos 20 anos”, diz Natasha. “Blanes é uma cidade indefinida, modesta e desconhecida. Serve como lugar para o descanso dos viajantes, algo que Bolaño sempre foi em certa medida.” Conhecida como “selva marítima”, a 65 km de Barcelona, Blanes agora recebe visitas de seguidores do romancista chileno, que chegou por acaso à cidade catalã nos anos 1980.

O exílio é um tema constante em “Between Parentheses”. Embora vista pela crítica como o fardo trágico de Bolaño, a mudança de país é um estranhamento comparável à imersão no universo literário. Para ele, “toda literatura carrega o exílio dentro de si”. “As terras estrangeiras são uma realidade geográfica objetiva ou uma construção mental em fluxo permanente?”, pergunta. Bolaño diz em “Exiles” que o expatriado é alguém em perpétua jornada. “Ser exilado não é desaparecer, mas encolher, é aos poucos ficar cada vez menor até alcançar nosso peso real, o verdadeiro peso de nossa natureza.”

Em “The Corridor with no Apparent Way Out”, ele narra a experiência do retorno ao Chile no fim de 1998. A descrição de um jantar com a escritora Diamela Eltit e seu marido, o ministro Jorge Arrate, enerva a elite intelectual chilena. Na segunda volta, em 1999, ele sofre represália pelos comentários. Aquela noite de 1998 inspirou “Noturno do Chile”, o mais bem acabado de seus livros, segundo o próprio autor.

“Between Parentheses” termina com uma das últimas entrevistas de Bolaño. Concedida à jornalista Mónica Maristain, foi publicada pela edição mexicana da “Playboy” em 15 de julho de 2003, dia da sua morte. As respostas mostram como ele é “intensamente ambicioso e desbravadamente humano”, segundo a tradutora.

O próximo projeto de Natasha é traduzir “Los Sinsabores del Verdadero Policía” (Anagrama), livro póstumo de Bolaño publicado no início do ano. Ela se diz fascinada com o ritmo da prosa do escritor, difícil de transpor para o inglês. “Luto com a tentação de suavizar as frases que parecem sem harmonia”, diz. “Aprendi a aceitar que o estilo de Bolaño nunca é previsível e às vezes pode ser estranho de propósito.”

O uso livre da linguagem, que incorpora regionalismos, é a maior característica do autor chileno, afirma a tradutora. Esse era seu verdadeiro território. Inspirado por Fernando Pessoa, cujo nome lamenta ter esquecido em texto de “Between Parentheses”, Bolaño afirmou ser a língua espanhola a sua terra natal.

 

Fonte: O Valor, de Nova York
Texto: Por Francisco Quinteiro Pires 

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